Poucos elementos do cinema geram tanto debate quanto os finais de filmes. Eles podem emocionar, confundir ou até irritar. Mas o que muitos não sabem é que vários clássicos do cinema quase terminaram de maneira completamente diferente. Um dos casos mais intrigantes envolve o filme Blade Runner (1982), dirigido por Ridley Scott. O final original pensado pelos produtores foi alterado para agradar o público, mas anos depois o diretor lançou uma nova versão com o desfecho que ele realmente queria. Neste artigo, você vai descobrir o segredo por trás desse final alternativo e por que ele mudou a forma como vemos o filme.
O contexto de Blade Runner
Baseado no livro Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Philip K. Dick, Blade Runner se passa em um futuro distópico e acompanha Rick Deckard, um caçador de androides (replicantes) fugitivos. O tom é sombrio, filosófico e existencialista, com fortes influências do noir e da ficção científica dos anos 80.
Apesar de ser um marco visual e estético, o filme teve recepção dividida em seu lançamento. Parte disso se deve ao seu final, que foi alterado por pressão dos estúdios.
O final imposto pelos estúdios
No corte exibido nos cinemas em 1982, após o confronto final com Roy Batty, Deckard foge com Rachael, a replicante por quem se apaixonou. A última cena mostra os dois dirigindo por uma estrada, em meio a belas paisagens naturais, com narração em off explicando que eles estão “seguros” e que Rachael não tem a mesma programação de morte que os outros replicantes.
Esse final foi imposto pelos produtores, que temiam que o público rejeitasse um desfecho muito sombrio ou ambíguo. Eles queriam algo mais “esperançoso” e conclusivo — até mesmo otimista.
Para completar, a narração em off de Harrison Ford foi gravada às pressas e, segundo o próprio ator, contra sua vontade. O resultado foi uma narração monótona, que muitos críticos consideraram desnecessária.
O verdadeiro final de Ridley Scott
Ridley Scott nunca ficou satisfeito com o final que foi exibido nos cinemas. Ele defendia uma conclusão mais enigmática, que deixasse margem para interpretações, especialmente sobre a verdadeira natureza de Deckard.
Em 1992, foi lançado o Director’s Cut, versão supervisionada por Scott, sem a narração em off e com o final original: Deckard encontra o origami de papel deixado por Gaff, sugerindo que ele sabia do relacionamento com Rachael — e que a estava deixando viver. A frase “Ela vive. Por enquanto.” é a única conclusão, acompanhada do fechamento da porta do elevador.
Esse final não mostra a fuga para o campo, não oferece garantias de felicidade e, mais importante: deixa no ar a possibilidade de Deckard também ser um replicante.
O impacto da versão do diretor
O Director’s Cut foi bem recebido por críticos e fãs, que elogiaram o tom mais denso e coerente com o restante do filme. Ele revalorizou Blade Runner, que passou de uma ficção científica subestimada a um clássico cult e filosófico.
Mais tarde, em 2007, Ridley Scott lançou o Final Cut, sua versão definitiva, com ajustes na edição, som e imagem — e o mesmo final ambíguo.
Hoje, é consenso que o final imposto pelos estúdios traiu a proposta original do filme e que o final alternativo de Scott é muito mais poderoso e duradouro.
A importância dos finais abertos
A mudança no final de Blade Runner exemplifica uma lição importante no cinema: nem todo filme precisa explicar tudo. Finais abertos, ambíguos ou sombrios muitas vezes geram mais reflexão e permanecem mais vivos na memória do público.
Outros filmes que seguiram esse caminho:
- A Origem (Inception) – A cena do pião girando até a tela escurecer.
- Clube da Luta – A explosão e o olhar cúmplice entre os personagens.
- 2001: Uma Odisseia no Espaço – Um dos finais mais debatidos da história.
Esses filmes deixaram legados duradouros justamente por não entregarem tudo “mastigado” ao público.
O que aprendemos com isso?
A história de Blade Runner mostra como o processo de criação no cinema é complexo e cheio de interferências. Às vezes, uma visão artística precisa esperar anos até ser reconhecida e restaurada.
O final alternativo não apenas mudou a experiência do espectador — ele mudou o status do filme, que passou de produção problemática a obra-prima visionária.